DOM JAIME DE BARROS CÂMARA, PREMEIRO BISPO DA DIOCESE DE SANTA LUZIA, MOSSORÓ-RN
Jaime de Barros Câmara nasceu em São José (SC) no dia 3 de julho de
1894, filho de Joaquim Xavier de Oliveira Câmara e de Ana de Barros Câmara.
Pertencente a uma modesta família local, cedo viu-se órfão de pai, o que mais
ainda agravou a situação financeira da família: foi com esforço que Ana Câmara
educou os cinco filhos.
Após fazer os estudos primários em
sua cidade natal, Jaime Câmara ingressou em 1906 no Ginásio Catarinense de
Florianópolis, onde concluiu o curso ginasial em 1912. No ano seguinte
iniciou-se no magistério, dando aulas nesse mesmo colégio, no qual exerceu
também as funções de administrador. Em 1914, transferiu-se para a cidade gaúcha
de São Leopoldo, onde ingressou no Seminário de Nossa Senhora da Conceição,
pelo qual se diplomou, cinco anos depois, em filosofia e teologia.
Em 1º de janeiro de 1920, Jaime de Barros Câmara
foi ordenado padre em cerimônia realizada na catedral Metropolitana de
Florianópolis, tendo celebrado sua primeira missa no dia seguinte, na igreja de
São José. Sua vida sacerdotal desenvolveu-se a partir de então em Santa
Catarina, iniciando-se com a substituição do cura da catedral de Florianópolis
por um curto período de tempo. Depois disso, Jaime Câmara foi coadjutor da
paróquia de Tijucas (SC) — onde exerceu o cargo de presidente da sociedade que
dirigia o hospital municipal —, capelão das Irmãs da Divina Providência, cura
da catedral Metropolitana, capelão do Hospital de Caridade de Florianópolis e
secretário do bispado dessa cidade. Em 1927, com a criação do Seminário Menor
de Azambuja, no município de Brusque (SC), foi nomeado seu primeiro reitor,
função que desempenharia até 1935. Dois anos depois dessa indicação, foi
designado cônego.
A diocese de
Mossoró e a arquidiocese de Belém do Pará
Em junho de 1935, Jaime Câmara foi
nomeado monsenhor. No final do ano, em 19 de dezembro, tornou-se o primeiro
bispo de Mossoró (RN), por nomeação do papa Pio XI, que criara essa diocese em
junho de 1934. Recebeu contudo sua sagração episcopal somente em 2 de fevereiro
de 1936, tomando posse na diocese em abril e aí passando a desenvolver uma
linha de atuação preocupada basicamente com dois aspectos: o das vocações e o
da ação social junto aos trabalhadores das salinas locais.
Em relação às vocações, dom Jaime
procurou intensificar o recrutamento de religiosos, determinando, entre uma de
suas primeiras medidas, a fundação e a edificação de um novo seminário, do qual
foi também o primeiro reitor e professor. Inaugurado em 2 de fevereiro de 1937
com 24 alunos, esse seminário em três anos duplicaria seu número de internos.
O segundo aspecto da atuação de dom Jaime em
Mossoró visava promover a aproximação entre a Igreja e os trabalhadores das
salinas de modo a evitar a propagação na comunidade das idéias de esquerda.
Para tanto, foi criado o Círculo Operário de Mossoró, um tipo de associação
civil de trabalhadores, de inspiração católica, que começou a surgir em todo o
país durante a década de 1930.
Segundo alguns autores, dom Jaime teria chegado a
participar ativamente do movimento integralista como bispo de Mossoró, o que não
é referendado, entretanto, pela maioria dos historiadores.
Dom Jaime consagrou-se, ainda em sua diocese, a
outras instituições de caráter assistencial, tendo sido responsável pela
construção do Asilo Amantino Câmara, edificado com a herança deixada por seu
irmão, que falecera recentemente no Rio de Janeiro, e pela organização da Ação
Católica local.
Dom Jaime permaneceu em Mossoró até 18 de setembro
de 1941, quando foi transferido para a Arquidiocese de Belém do Pará, na qual
tomou posse em 1º de janeiro de 1942. Durante sua breve permanência na capital
paraense, desenvolveu ação semelhante à que desempenhara no Rio Grande do
Norte: ampliou o seminário local, comprou para a cúria o Ginásio Progresso
Paraense e a sede do Círculo Operário. Organizou ainda, por ocasião do
Congresso Eucarístico de Manaus, uma peregrinação fluvial, que, ao longo de 11
dias, levou para a capital amazonense o Santíssimo Sacramento.
A
ARQUIDIOCESE DO RIO DE JANEIRO
Em 17 de outubro de 1942, a morte do
cardeal dom Sebastião Leme, que se destacara à frente do episcopado brasileiro,
deixou vaga a Arquidiocese do Rio de Janeiro (então Distrito Federal), que
permaneceu sem titular durante quase um ano. Em 3 de julho de 1943, dom Jaime
foi nomeado pelo Vaticano para suceder a dom Leme, mas só tomou posse na Cúria
Metropolitana em 15 de setembro. Segundo Ralph Della Cava, sua indicação para a
arquidiocese representou, na realidade, o colapso da liderança criada por seu
antecessor: “Com o tempo, até mesmo o poderoso movimento que Leme colocou em
ação para centralizar a hierarquia sob o comando dos superiores do Rio se
desmantelou. O poder eclesiástico, como de costume, refluiu novamente para as
dioceses isoladas e seus ocupantes.”
A atuação de dom Jaime na arquidiocese foi
assinalada, mais uma vez, pela atenção dada à questão da formação sacerdotal,
da qual resultou a reformulação material e intelectual do Seminário do Rio de
Janeiro. As novas instalações do estabelecimento permitiram a realização, pela
primeira vez, de um congresso nacional de reitores de seminários, em janeiro de
1948. Por outro lado, dom Jaime deu ênfase ao ensino religioso, quer
ministrando pessoalmente aulas de religião no Instituto de Educação da
Prefeitura do Distrito Federal, quer estimulando os cursos de formação catequética
já existentes. Datam dessa época seus contatos com diversas unidades militares
— entre as quais as academias do Exército, da Marinha e da Aeronáutica —, para
as quais preparou, e muitas vezes chegou mesmo a presidir, as celebrações da
Páscoa.
Ainda nesse sentido, dom Jaime deu
continuidade ao projeto iniciado por dom Sebastião Leme, do qual resultaria a
criação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Desde
1940, haviam sido criadas no Rio as faculdades católicas de Direito e Filosofia,
cujo reitor era o padre Leonel Franca. Em 1946, com a agregação do Instituto
Social e a criação da Escola Politécnica, as faculdades católicas obtiveram
autorização do governo federal para se organizarem numa universidade, cujos
estatutos foram então aprovados. Em janeiro do ano seguinte, coroando os
esforços conjuntos de dom Jaime e do padre Leonel Franca, a Santa Sé, por
intermédio da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades, concedeu à
Universidade Católica do Rio de Janeiro a prerrogativa de universidade
pontifícia.
O cardinalato
Ainda no início de 1946, dom Jaime viajou para Roma,
onde foi eleito e proclamado cardeal presbítero no consistório realizado em 18
de fevereiro, tendo recebido de Pio XII o anel e o chapéu cardinalícios. Couberam-lhe
os títulos de São Bonifácio e de Santo Aleixo. Dom Jaime tornou-se dessa forma
o terceiro cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, passando nesse mesmo ano a
integrar e a presidir a comissão episcopal para a Ação Católica Brasileira
(ACB), cuja reformulação promoveu. Implantada em 1935 pelo cardeal Leme, em
resposta às solicitações do papa Pio XI no sentido de que fossem criadas em
todos os países associações leigas vinculadas à Igreja, sem qualquer filiação
política e encarregadas de promover a “evangelização das nações”, a ACB já
vinha apresentando, bem antes da morte de dom Leme, em 1942, sinais de
declínio, evidenciados na pequena mobilização que conseguira provocar. Durante
o ano de 1946, foram elaborados, com o auxilio da comissão episcopal, os novos
estatutos da associação, que, aprovados pelo Vaticano, foram adotados no I
Congresso da ACB, realizado no Rio de Janeiro nos meses de maio-junho.
Em 1947, a Cúria Metropolitana, desejando implantar
um jornal matutino, pediu permissão à diretoria do Correio da
Noite para imprimir o novo órgão em suas oficinas. O proprietário
do Correio da Noite, Mário Magalhães, preferiu contudo fazer
uma contraproposta, colocando seu jornal à venda, o que foi aceito pela cúria.
O Correio da Noite, no entanto, permaneceu pouco tempo sob a
orientação da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que acabou por vendê-lo a Luís
Gama Filho.
Em 1948, dom Jaime participou do Congresso
Eucarístico Nacional, exercendo as funções de legado pontifício. No início do
ano seguinte, pronunciou-se contra a condenação do cardeal primaz da Hungria,
monsenhor József Mindszenty, à prisão perpétua, como inimigo do socialismo. A
condenação levou dom Jaime a promover no Rio de Janeiro uma procissão do
Santíssimo Sacramento, em solidariedade ao prelado húngaro. Entre 1950 e 1952,
dom Jaime foi, sucessivamente, vigário castrense das tropas brasileiras de
terra, mar e ar (1950), bispo ordinário para os católicos de ritos orientais no
Brasil (1952), legado ad latere ao Congresso Eucarístico
Nacional, realizado em Porto Alegre, e legado pontifício ao Congresso
Interamericano de Educadoras Católicas (1952).
A criação da
CNBB
Ainda em 1952, em outubro,
ultimaram-se os trabalhos para a criação da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), idéia lançada em 1949 pelo núncio apostólico dom Carlo Chiari e
desenvolvida desde então pela ACB. No dia 14, dom Jaime participou da primeira
sessão da reunião extraordinária de instalação da CNBB, que representou a
concretização do anteprojeto elaborado durante o Congresso Mundial de Leigos,
realizado em Roma em 1950. Nesse congresso, um dos principais defensores da
idéia da CNBB foi o monsenhor Montini, na época assessor do sumo pontífice e
que mais tarde se tornaria o papa Paulo VI. Durante a reunião de 14 de outubro
de 1952, realizada no palácio São Joaquim, sede da arquidiocese do Rio, foi
ainda eleita uma comissão permanente, presidida por dom Carlos Carmelo de
Vasconcelos Mota, responsável pela direção do novo órgão. Para a secretaria
geral foi nomeado o recém-escolhido bispo-auxiliar da arquidiocese do Rio, dom
Hélder Câmara.
Dois anos depois de sua criação, e principalmente
após a chegada do novo núncio apostólico, monsenhor Armando Lombardi, em 1954,
a CNBB tornou-se o porta-voz mais autorizado da Igreja Católica no Brasil,
função tradicionalmente desempenhada pelo arcebispo do Rio de Janeiro. Segundo
Ralph Della Cava, a partir de 1954, a CNBB, e não dom Jaime de Barros Câmara,
“tornou-se o verdadeiro sucessor do cardeal Leme, enquanto o secretário-geral
da CNBB, dom Hélder Câmara, emergiu como o líder de fato da Igreja brasileira”.
Politicamente, contudo, o cardeal-arcebispo do Rio reteve considerável poder em
suas mãos, já que representava a ala conservadora da Igreja Católica do Brasil.
O ano de 1954 foi politicamente marcado por grande
agitação, já que, em outubro, seriam realizadas as eleições para o Legislativo,
o que instabilizava ainda mais o governo de Getúlio Vargas, às voltas com um vigoroso
acirramento da campanha oposicionista. Para dom Jaime, foi um ano de intensos
preparativos, pois em 1955 a arquidiocese do Rio promoveria o XXXVI Congresso
Eucarístico Internacional. Em fins de julho, através de seu programa
radiofônico A voz do pastor, dom Jaime intensificou suas críticas à
administração do Distrito Federal, que demorava em conceder o terreno para a
construção do altar-monumento destinado às cerimônias do Congresso Eucarístico.
Poucos dias depois, instalou-se a crise final do
governo Vargas, originada com o atentado, ocorrido na rua Toneleros no dia 5 de
agosto, contra o jornalista de oposição Carlos Lacerda, durante o qual foi
assassinado o major-aviador Rubens Vaz, que o acompanhava na ocasião. A
divulgação de informações sobre o envolvimento da guarda pessoal de Vargas no
crime gerou diversos rumores sobre sua renúncia. Em meio a tais boatos, dom
Jaime dirigiu-se no dia 10 de agosto ao palácio do Catete, com o intuito,
segundo alguns autores, de sondar o presidente da República sobre as
possibilidades de sua renúncia. Negando tal disposição, Vargas comunicou-lhe
também sua decisão de dar prosseguimento ao inquérito sobre o atentado da
Toneleros.
Dois dias mais tarde, dom Jaime celebrou,
na igreja da Candelária, a missa de sétimo dia em intenção do major Rubens Vaz,
à qual compareceram autoridades civis e militares, além de grande massa
popular. Após a celebração, sucederam-se, no centro da cidade, manifestações
populares contra o governo Vargas e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O
prosseguimento das investigações acabou por comprovar as ligações dos
assassinos com membros do corpo de segurança de Vargas, levando ao acirramento
da campanha contra o presidente, que se suicidou no dia 24 de agosto.
Em 1955, realizou-se no Rio, com
extrema pompa, o XXXVI Congresso Eucarístico Internacional, além da Conferência
Geral do Episcopado Latino-Americano. Reunida entre 25 de julho e 4 de agosto,
essa conferência decidiu a criação do Conselho Episcopal Latino-Americano
(Celam), para o qual dom Jaime foi eleito presidente, função que exerceria até
1960.
Atuação na
sucessão presidencial de 1955
A questão da sucessão presidencial durante o ano de
1955 concorreu decisivamente para a manutenção da instabilidade política.
Realizado o pleito em outubro — precedido já de boatos sobre a preparação de um
golpe —, a tensão aumentou ao se configurar a vitória de Juscelino Kubitschek e
João Goulart, candidatos do Partido Social Democrático (PSD) e do PTB. Em 11 de
novembro, um movimento encabeçado pelos generais Henrique Teixeira Lott e
Odílio Denis depôs o presidente interino Carlos Luz — o presidente João Café
Filho encontrava-se em licença médica —, sob a suspeita de que este estivesse
ligado aos “golpistas” que planejavam impedir a posse do presidente eleito.
Substituído no governo por Nereu Ramos, Carlos Luz,
que se refugiara no cruzador Tamandaré, retornou ao Rio no dia
13, decidido a ler um manifesto na Câmara dos Deputados, cuja presidência exercia
quando da doença de Café Filho. Na madrugada do dia seguinte, foi procurado por
dom Jaime de Barros Câmara, acompanhado por dom Hélder Câmara. O
cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, como emissário do novo governo, tentou
convencer o presidente deposto a não fazer seu pronunciamento na Câmara, já que
a sua presença naquela casa poderia provocar manifestações contrárias,
inclusive ataques pessoais por parte dos comunistas. Carlos Luz, no entanto,
negou que houvesse tal perigo, razão pela qual não desistiria do
pronunciamento, afinal realizado naquele mesmo dia.
Tendo recebido alta de seus médicos, Café Filho
procurou, no dia 21 de novembro, retomar a presidência. Na noite desse dia, dom
Jaime foi procurado no palácio São Joaquim pelo general Juarez Távora, que lhe
sugeriu intervir junto a Lott e a Nereu Ramos no sentido de que estes
garantissem a volta de Café Filho como a melhor saída para a situação que ele,
Juarez, considerava de ilegalidade. Dom Jaime, em resposta, comprometeu-se a
examinar o que seria possível tentar nesse sentido. Não chegou, contudo, a tomar
qualquer iniciativa, já que, desde cedo, os tanques do Exército vinham ocupando
as imediações do palácio do Catete, bem como da residência de Café Filho, em
Copacabana.
Dois dias mais tarde, quando o
Congresso votava o impedimento de Café Filho, dom Jaime foi procurado pelo
empresário Rui Gomes de Almeida, presidente da Associação Comercial do Rio de
Janeiro (ACRJ), o qual, como representante das classes produtoras, veio lhe
pedir o apoio da Igreja para harmonizar as cisões que haviam aflorado no interior
das forças armadas com o movimento de 11 de novembro. Ciente de que o
empresário já vinha mantendo contatos com o general Henrique Lott, o brigadeiro
Eduardo Gomes e o almirante Amorim do Vale — ministros das pastas militares na
ocasião daquele movimento e defensores, os dois últimos, de posições opostas à
do primeiro —, dom Jaime garantiu-lhe o apoio da Igreja e elaborou uma mensagem
de pacificação dirigida aos chefes militares.
A CNBB e a
crise na Igreja
Entre 1958 e 1963, dom Jaime de
Barros Câmara exerceu a presidência da CNBB em substituição a dom Carlos
Carmelo de Vasconcelos Mota, que ocupara o cargo desde a criação do órgão, em
1952. Nessa instituição, no entanto, a figura de maior projeção continuou sendo
a de seu secretário-geral, dom Hélder Câmara, que liderava a ala progressista
da Igreja brasileira. Em 1959, dom Hélder deixou as funções de bispo-auxiliar
do Rio de Janeiro, permanecendo contudo na CNBB. Por sua influência, em 1962 a
CNBB expediria veemente pronunciamento em apoio às reformas de base, sugerindo
inclusive a desapropriação de terras rurais para posterior redistribuição.
Em 1960, realizou-se no Rio um congresso da
Juventude Universitária Católica (JUC) — associação civil católica reconhecida
nacionalmente pela hierarquia eclesiástica em 1950 com a finalidade de difundir
os ensinamentos e a doutrina da Igreja no meio universitário —, durante o qual
foram aprovadas (embora tenham sido muito criticadas) novas diretrizes para o
movimento, representando a consolidação da preocupação com as questões de
caráter social: entre outros pontos, foi proposta a “luta contra o
subdesenvolvimento e contra a primazia do capital sobre o trabalho, em prol da
reforma agrária e do controle estatal dos setores de base da economia”. A
adoção de tais diretrizes, no entanto, provocou divergências entre alguns dos
integrantes da JUC, bem como entre membros da hierarquia eclesiástica. Dom
Jaime de Barros Câmara chegou mesmo a recusar o convite que lhe fora feito pela
JUC para que celebrasse a missa de encerramento do congresso.
Em janeiro de 1961, tomou posse o novo presidente
da República, Jânio Quadros, que, em seu breve período de governo, procurou
adotar uma política externa mais independente, de neutralidade em relação à
guerra fria que se instalara após o último conflito mundial. Algumas de suas
atitudes, no entanto, como o apoio à discussão na Organização das Nações Unidas
(ONU) sobre a admissão da China comunista e a declaração de que o governo vinha
estudando o reatamento das relações diplomáticas com a URSS (rompidas desde
1947), provocaram a reação dos setores mais conservadores da sociedade.
Em meados de julho, Jânio Quadros
recebeu no palácio do Planalto, em Brasília, a Missão Soviética de Boa Vontade,
cujo objetivo era incrementar o intercâmbio comercial e cultural entre o Brasil
e a URSS. Esse fato, associado à nova política de reaproximação com alguns dos
países do Leste europeu, levou à intensificação da campanha oposicionista, cuja
principal corrente era liderada por Carlos Lacerda, governador da Guanabara,
pelos jornalistas Roberto Marinho, de O Globo, e Júlio
de Mesquita Filho, de O Estado de S. Paulo e pelo
cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro. Dom Jaime, cujas preleções pelo rádio,
através do programa A voz do pastor, vinham sendo de há muito
publicadas na seção católica do Jornal do Comércio, já havia
conseguido, nessa ocasião, garantir sua influência sobre grande parte da Igreja
e dos católicos.
No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros, após
seis meses de governo, apresentou seu pedido de renúncia. No dia seguinte, dom
Jaime publicou um manifesto alertando para a necessidade de se
respeitar a Constituição, de modo a evitar que a renúncia do presidente fosse
aproveitada para qualquer alteração da ordem pública.
Em 1963, a maioria da hierarquia eclesiástica
parecia estar convencida de que a agitação que se fazia para a aprovação das
reformas sociais favoreceria, inevitavelmente, a implantação do comunismo no
país. Nesse sentido, um grupo de bispos e arcebispos, entre os quais dom
Vicente Scherer, dom Agnelo Rossi e dom Eugênio Sales, além de dom Jaime,
enviou uma carta a dom Cândido Pandim, que, desde 1962, vinha substituindo dom
Hélder no cargo de assistente nacional da ACB, solicitando que os assistentes
eclesiásticos da Ação Católica Brasileira “formassem a consciência dos
militantes no ensino autêntico da Igreja e de sua doutrina social”,
conservando-se afastados de “certas correntes ideológicas em voga nos meios do
laicato”. A mensagem revelava, por fim, o temor da Igreja ante a radicalização
do movimento católico.
Ainda por essa época, dom Jaime foi um dos
principais incentivadores da vinda para o Brasil do padre Patrick Peyton —
considerado por Ralph Della Cava como a alternativa do catolicismo
norte-americano para o reverendo Billy Graham e como o responsável pela
realização de “milagres pela fé nas Filipinas”. O padre
Peyton implantou no Brasil a Cruzada do Rosário em Família, organização que
congregava devotos que participavam em massa de congressos eucarísticos e
promoviam campanhas anticomunistas. A Cruzada do Rosário em Família acabou por
tornar-se um dos instrumentos de mobilização da classe média nas cidades contra
o governo de João Goulart, muito embora sua interferência em questões políticas
só tenha aflorado quando da realização de uma grande concentração no Rio de
Janeiro que contou com o apoio dos bispos conservadores, entre os quais dom
Jaime.
Em 19 de março de 1964, seis dias após o comício
presidido por Goulart na estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro — e
durante o qual Goulart assinou alguns decretos preliminares relativos a
reformas sociais —, quinhentas mil pessoas desfilaram em São Paulo na Marcha da
Família com Deus pela Liberdade, em protesto contra tais decretos, atendendo à
convocação de uma frente de organizações conservadoras, entre as quais se
incluía a Cruzada do Rosário em Família. Uma semana depois, o arcebispado do
Rio, através de sua Confederação Católica, convocou todas as associações a ela
filiadas (entre as quais a Cruzada do Rosário em Família e os Círculos
Operários Católicos) e organizou outra marcha em oposição a Goulart. No dia 31
de março, eclodiu o movimento político-militar que depôs o presidente da
República. A marcha carioca saiu às ruas no dia 2 de abril, já caracterizada
como uma “marcha da vitória”.
O pós-1964
Durante o ano de 1964, a Arquidiocese do Rio de
Janeiro decidiu construir uma nova catedral Metropolitana. No início de 1965,
em cerimônia realizada no dia 19 de janeiro no palácio São Joaquim, foram instaladas
as comissões encarregadas da construção do novo templo. A cerimônia contou com
a presença do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que também compareceu ao
lançamento, no dia seguinte, da pedra fundamental da futura catedral.
A partir do movimento de março de 1964 começaram a
se multiplicar os conflitos entre a Igreja e o Estado, à medida que evoluíam o
pensamento social católico, as formas de aplicá-lo e as formas de organização
necessárias para essa aplicação. Explicitamente, esses conflitos se
concretizaram, entre outros pontos, na análise da doutrina social da Igreja e
da sua inconformidade com a doutrina do regime militar e no envolvimento de
padres e leigos na luta — a partir de determinado momento, clandestina — contra
o govemo.
Em março de 1968, durante os
incidentes ocorridos no restaurante do Calabouço, envolvendo estudantes e a
Polícia Militar do Rio, foi morto com um tiro no peito o secundarista Edson
Luís de Lima Souto. Sua morte marcou, após quase quatro anos de silêncio, o
início de uma nova fase de manifestações estudantis, que atingiu várias
cidades. A missa de sétimo dia de Edson Luís foi celebrada na igreja da
Candelária, que permaneceu cercada por forte dispositivo policial. Prevendo
agressões — na parte da manhã já haviam ocorrido choques entre a cavalaria e as
pessoas que saíam da igreja —, o vigário-geral do Rio, dom José de Castro
Pinto, e mais 15 padres, ainda paramentados, deixaram a igreja de mãos dadas à
frente dos estudantes, de modo a impedir novos choques. Novas participações de
religiosos em manifestações políticas ocorreram quando da realização, no Rio,
das passeatas conhecidas como dos Cem Mil — no dia 26 de junho, em protesto
contra o governo, apoiando o movimento estudantil —, e dos 50 Mil — no dia 4 de
julho, em protesto pelo fracasso da tentativa de diálogo entre o governo e a
Comissão Popular da Assembléia dos Cem Mil.
No início de dezembro de 1968, foram
presos em Belo Horizonte três padres franceses e um diácono brasileiro em vias
de se ordenar, implicados em atividades subversivas, segundo a conclusão do
Inquérito Policial-Militar (IPM) ali instalado para apurar os movimentos da
Juventude Operária Católica (JOC). A JOC era uma associação civil católica
reconhecida nacionalmente pela hierarquia eclesiástica desde 1948 como setor
especializado da ACB destinado à difusão dos ensinamentos da Igreja no meio
operário. Essa prisão ampliou em muito a crise já latente entre a Igreja e
governo, pois trouxe para os detidos a solidariedade de dezenas de bispos e
padres, proporcionando mesmo uma certa união entre os religiosos conservadores
e progressistas. No Rio, no dia 13, dom Jaime de Barros Câmara convocou a
imprensa para divulgar o texto que seria lido nas missas da Guanabara no
domingo seguinte, em que declarava “plena e irrestrita solidariedade à Igreja
de Belo Horizonte”. Nesse texto, o cardeal-arcebispo afirmava ainda que “a
Igreja de Cristo aqui no Brasil não poderia deixar de ser fiel à sua missão,
mesmo e principalmente quando a incompreensão e a insensatez tentam impedi-la
de atuar e ser fiel”. Doze horas depois, na noite do día 13, foi editado, pelo
presidente Artur da Costa e Silva, o Ato Institucional nº 5 (AI-5).
Em 13 de maio de 1969, foi divulgado um manifesto,
assinado por 80 padres da arquidiocese do Rio de Janeiro, em que era ressaltada
“a obediência à hierarquia da Igreja como expressão válida e indispensável da
nossa fé”. Esse documento, lançado inicialmente em São Paulo pelo movimento Fé
e Disciplina, mostrava-se ainda contrário aos padres que, “voluntária ou
involuntariamente, [estavam] indo de encontro à ordem vigente”.
Em 1º de janeiro de 1970, dom Jaime comemorou em
Florianópolis o jubileu de ouro de sua sagração sacerdotal.
Em outubro desse ano, menos de um mês antes das
eleições parlamentares, a polícia política do Rio invadiu a sede nacional da
JOC, prendendo sete padres e vários leigos, o que provocou a imediata
mobilização da CNBB. No Rio, dom Jaime, que normalmente se mantinha afastado de
tais episódios, procurou obter audiências com o ministro do Exército, general
Orlando Geisel, e com o comandante do I Exército, general Siseno Sarmento, que
oficialmente se manifestaram propensos à limitação do conflito.
No início de 1971, dom Jaime viajou a Belo
Horizonte para participar da reunião da CNBB. Durante o encontro, procurou seus
colegas, pedindo-lhes sua adesão, a um abaixo-assinado em defesa do sacramento da
confissão, aparentemente abalado pela decisão do papa Paulo VI de abolir a
confissão auricular de pequenos pecados. Segundo um de seus biógrafos, esse ato
de aparente indisciplina de dom Jaime traduzia sua preocupação maior com a
tradição da Igreja. Isso não o impedia, contudo, de se tornar o mais firme
defensor dos novos métodos, desde que o Vaticano insistisse na mudança.
Na manhã de 16 de fevereiro, dom
Jaime foi homenageado pelos bispos da CNBB pelo seu aniversário de cardinalato,
o que lhe provocou, pela emoção, as primeiras dores cardíacas. Apesar do
repouso que lhe fora recomendado pelo médico, dom Jaime manteve sua decisão de
viajar para Aparecida do Norte (SP), onde rezaria missa com dom Carlos Carmelo
de Vasconcelos Mota, arcebispo daquela cidade e que, como ele, fora elevado ao
cardinalato em 1946. No dia 18 de fevereiro de 1971, depois de celebrar a
missa, dom Jaime tornou a ter problemas cardíacos, vindo a falecer no mesmo
dia, ainda em Aparecida do Norte.
Dom Jaime de Barros Câmara foi membro do Sacro
Colégio dos Cardeais da Santa Sé e do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Pertenceu também às congregações dos seminários, das universidades
de estudo e da Fábrica de São Pedro e da Cúria Romana. Foi doutor honoris
causa da Faculdade de Filosofia da PUC do Rio de Janeiro.
Entre as diversas obras por ele publicadas,
incluem-se: Apontamentos de história eclesiástica (1942), Manifesto
do episcopado sobre o problema político e a questão social do
Brasil (1945), Compêndio de teologia pastoral oferecido aos
seminaristas do Brasil (1948), O clero em retiro espiritual (1955), Compêndio
de teologia pastoral (1955), O sacerdote em viagem (1956), Problemas (1963), Os
grandes campeões da fé (1966) e Reflexões para religiosos em viagem (2v.,
1968).
Regina da Luz Moreira
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FONTE - ADECOM